PORQUÊ A ADAPTABILIDADE É A PRINCIPAL COMPETÊNCIA CORPORATIVA
- Daniel Ruy
- Jun 13, 2024
- 6 min read

As reflexões relacionando o universo do esporte com o universo corporativo são muito ricas e nesse texto gostaria de trazer o contexto do futebol americano para propor uma reflexão sobre adaptabilidade.
O pano de fundo desta reflexão, envolve a recente história de um jogador da principal posição de ataque do futebol americano, o quarterback Cam Newton. Newton era o quarterback do time Carolina Panthers, foi a primeira escolha entre novos jogadores (draft) em 2011, em sua primeira temporada foi eleito o “novato do ano”, quebrando todos os recordes de novatos da Liga (NFL) em passes e jardas corridas. Se tornou o primeiro quarterback da NFL a lançar para 400 jardas em seu primeiro jogo, quebrando o recorde de um dos maiores de todos os tempos, Peyton Manning. Quebrou, também, o recorde que persistia por 61 anos de Otto Graham de jardas em uma estreia na NFL.
Pode-se dizer que seu auge veio em 2015, temporada em que foi eleito o MVP (Jogador mais valioso da Liga), liderando os Panthers para o título da divisão Norte (NFC), participando do badalado Super Bowl daquela temporada, onde os Panthers acabaram sendo derrotados pelos Broncos, de Denver, que tinham como quarteback justamente a lenda Peyton Manning.
Tal histórico, ainda em contexto, fez com que o técnico do New England Patriots, Bill Belichick elegesse Newton como o potencial substituto para simplesmente o maior jogador de todos os tempos neste esporte, Tom Brady. Ainda, os Patriots passavam por uma reestruturação após uma verdadeira dinastia de títulos durante as últimas temporadas.
Um jogador talentoso, com uma ascensão extraordinária, números consistentes, performance regular, requisitos mentais e físicos, talento inquestionável, personalidade e estava livre no mercado, chegando em um time vitorioso, mas em fase de mudanças e querendo retomar o rumo das vitórias…o que poderia dar errado?
Após uma única temporada pelos Patriots, porém, Newton foi dispensado por “má-performance”…e atualmente está em busca de um novo desafio…como ele mesmo disse em uma entrevista: “Minha carreira não pode acabar assim, não existem 32 quarterbacks melhores que eu na NFL…” (A NFL conta com 32 times).
O que deu errado?
A linguagem corporal traz muitos elementos para essa resposta…quando jogava pelo Panthers, Newton entrava em campo com uma animação contagiante, agitava torcedores e parceiros de time, dava apoio, liderava o ataque, parecia inabalável mesmo diante de um erro, jogada ruim ou derrota iminente…foi responsável por viradas inacreditáveis no último minuto, daquelas dignas de roteiros de filmes e que fazem a emoção de qualquer esporte.
Neste período, até criou uma comemoração característica, ao correr para um touchdown, Newton simulava abrir o paletó imitando o clássico gestual do personagem Clark Kent ao se transformar no Super-Homem, logo em seguida era comumente atropelado para o abraço dos colegas de time! Ao final dos jogos com vitória, corria praticamente todo o estádio agitando e comemorando efusivamente com a torcida, um showman.
O Super-Newton dos Panthers era o líder daquela trupe, sem dúvida, figura às vezes caricata com suas roupas extravagantes, esbanjava personalidade, era frequentemente visto em ações de caridade na cidade, adorado pelo dono do time, o técnico, os companheiros, mesmo com seus altos e baixos, o que é normal, era um jogador muito bem sucedido e estimado e agora se sentia confiante para encarar uma nova aventura na carreira. Já viu esse filme no mundo corporativo?
Já no novo time, os Patriots, Newton entrava em campo, digamos, compenetrado, uma cara fechada, sério, pressionado…As recentes lesões, em especial uma lesão complicada no ombro, porém, pareciam ter tirado totalmente a confiança daquele herói de outros tempos, que continuou se mostrando capaz de jogadas incríveis, mas de maneira totalmente irregular…
A carga de substituir Brady e reconduzir aquele time ao caminho do sucesso era pesada demais para seus ombros (já lesionados). Ao correr para um touchdown até esboçava o gesto do Super-Homem, mas era até constrangedor de ver, fazia de forma desanimada, seca, mecanizada e, muitas vezes, sozinho…Como a temporada 2020/21 não tinha torcida por conta da pandemia, ao final dos jogos com vitória, era indeciso ao escolher uma forma de celebrar…Finalizou sua temporada no novo time com os piores números de performance da sua carreira (sem contar a temporada onde estava machucado) e alvo de uma artilharia de “odiadores” nas redes sociais, criticado pela mídia, abandonado pelo time e condenado a reiterada pergunta maldosa por parte da imprensa esportiva, “é o fim melancólico de sua carreira”?
Vejam que montanha-russa, o Super-Newton escolhido entre tantos para a tarefa de reconduzir um time vencedor ao caminho da glória após a saída do “Pelé” desse esporte do time, sai da posição de garoto de ouro, candidato a sucessor de uma nova dinastia de sucesso à uma demissão inglória…
Adaptabilidade
No dicionário, estão entre as definições dessa palavra “Aptidão ou propriedade daquilo que se demonstra adaptável; que pode se adaptar” e “Evolução. Capacidade de sobrevivência e/ou reprodução apresentada por um certo indivíduo possuidor de um genótipo específico.”
Peço a licença poética, digamos, pra dizer que Newton tinha um “genótipo específico”, o talento pra jogar futebol americano. Estava em uma nova fase da carreira e precisava, agora, evoluir.
O quanto essa missão era influenciada por ele próprio, ou pelo novo treinador, ou pelo novo ambiente, ou pela nova cidade, ou pelos novos colegas? Quando um profissional muda de ares, seja de área de atuação ou, até mesmo, de empresa ou de cidade, quais pontos ele deve focar para evoluir? Imagina-se que, como Newton, se ele recebeu uma nova oportunidade na carreira, já possuía o talento, as qualificações, as conquistas passadas, o “genótipo específico” e alguém confiou a ele a nova missão.
O que pode dar errado, então? Ficar atrelado ao sucesso passado é uma boa pista, o que adiantaria para Newton dizer aos colegas: “me respeitem, eu fui MVP em 2015!” ? Teria como resposta, ok estamos na temporada 2020/21 e, convenhamos, isso não está ajudando muito… É comum nos apegarmos ao sucesso passado, chegar em um desafio novo dizendo o que já conquistamos, como era no outro time (normalmente, pra nós, muito melhor), como tudo dava certo e a frequência com o que nós salvamos o dia, virando jogos no último minuto, inclusive.
Porém, a realidade é que isso vale, mas não tanto quanto a gente pensa, pois agora é hora de evoluir, de adaptar-se, entender que o novo cenário, novas pessoas, nova cultura exige novas atitudes, habilidades, motivação, preparação contínua e o entendimento do desafio proposto – evoluir é inserir-se numa cultura de aprendizado amplo e contínuo.
O outro fator é, obviamente, externo, o novo time precisa estar preparado e disposto a adapta-se para receber o profissional escolhido, dar apoio, alinhar expectativas, de paciência, compreensão, suporte, aceitação para erros e acertos. Uma cultura corporativa ruim obviamente diminui possibilidades para o time vencer e o novo jogador se adaptar. É função essencial do líder que recebe o novo profissional também evoluir e se adaptar, ele é parte direta deste sucesso (ou fracasso).
Me parece que uma eventual segunda temporada de Newton nos Patriots faria dele um jogador melhor, mais adaptado, motivado, o apoio da torcida era essencial e 2020 não permitiu isso, ele precisava de apoio, de paciência, participar das mudanças táticas para que seu estilo de jogo encaixasse, de tempo, de cuidados com o ombro, mas não teve nada disso e após uma única temporada, é demitido e jogado aos leões.
A parcela de responsabilidade, assim, é sempre dividida, em mais ou menos proporção, pois adaptabilidade é uma via de várias mãos, ambiente e profissional precisam achar um ponto de intersecção para que o time, ao final, seja bem sucedido.
Sendo assim, ao se deparar com um novo desafio, sempre tenha um tempo para refletir sobre os seguintes pontos:
1) Você não é o Super-Homem (Newton também não era, por mais que suas conquistas o fizeram acreditar nisso…), mas se você foi escolhido para o desafio, o “genótipo específico” está lá, se dê paciência, compreensão e tenha foco para achar os caminhos para evoluir;
2) Peça apoio, seja com os próprios colegas, antigos gestores e colegas, coaching, mentoria, alinhamento de expectativas com o novo time, é preciso saber que muito depende de você, mas adaptação é uma via de várias mãos;
3) Insira na sua rotina uma cultura de aprendizado contínuo, aprendendo a melhor maneira como você aprende, exerce sua criatividade, resiliência, aumenta o seu portfolio de conhecimento e, assim, soluções para problemas, sejam eles os seus próprios para com a fase de adaptação ou os que o novo desafio coloca no seu caminho;
4) Motive-se com o processo de adaptação, a boa performance de Newton estava diretamente atrelada ao quanto as pessoas do time anterior confiavam nele, o quanto a cidade o apoiava, mas também o quanto ele demonstrava o prazer de estar ali, nada pode abalar sua confiança e convicção de que a realocação no trabalho, a sua decisão de aceitar um novo desafio é positiva e será recompensadora.
E, lembre-se, ainda que você não mude de local ou de empresa, já dizia Heráclito de Éfeso, o mundo está sempre mudando e a única coisa realmente permanente é a mudança, mesmo parado, ela chegará até você, por isso, para líderes e liderados, adaptabilidade é a principal competência corporativa.
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