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CASO CONTE x TOTTENHAM – AFINAL, CHUTAR O BALDE É O INÍCIO DE UMA REVOLUÇÃO OU ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE?

  • Writer: Daniel Ruy
    Daniel Ruy
  • May 22, 2024
  • 7 min read


por Daniel Stade Ruy


Antonio Conte, italiano, treinador de futebol já consagrado, quatro títulos do campeonato italiano e um campeonato inglês no currículo, já foi, inclusive, treinador da seleção italiana. Tottenham Hotspur F.C., um time de futebol do norte de Londres, Inglaterra, que, apesar de nos últimos anos figurar na parte de cima da tabela do campeonato inglês e se fazer presente nas edições da Liga dos Campeões da Europa, amarga um jejum de mais de uma década sem vencer qualquer campeonato. 


Um técnico pronto, de mercado, se juntando a um time grande e que buscava vencer campeonatos. Quase um ano e meio depois, porém, essa parceria acabou de maneira turbulenta. O time já não conseguia atuar bem, certamente será mais um ano a somar ao jejum de campeonatos, mas a coisa desandou mesmo após um empate sofrido nos últimos minutos contra um time considerado menor. Nesse dia, Conte foi para a entrevista coletiva, dessa vez para “chutar o balde” – foram mais de 10 minutos de massacre aos atletas e o dono do time, falou muito e ouviu pouco, disse que os jogadores não sabiam jogar sob pressão, não se esforçavam o suficiente para ajudar uns aos outros, não tinham mentalidade vencedora, todos passavam a mão na cabeça deles, arrumando desculpas para justificar derrotas...se eu pudesse resumir a indignação na frase mais simbólica que ele disse escolheria: “são 11 jogadores no campo, mas não são um Time!” - ao final disse que estava chateado, acho que deu pra perceber... - pouco depois, foi demitido, após 1 ano e 4 meses no cargo…



O esporte é mágico para fazer analogias e tirar lições para o mundo corporativo, eu adoro refletir sobre esses casos quando acontecem e traçar seus paralelos, se você curte também dá uma olhada nos meus artigos anteriores, tem coisa legal lá! 


Vejam que o contexto Conte x Tottenham não é muito diferente de trabalhos de liderança nas empresas, afinal de contas, será que “chutar o balde” diante de um resultado não esperado é o início de uma revolução, no sentido que as coisas precisam mudar e alguém precisa dizer o que poucos tem coragem ou é uma fuga da responsabilidade por resultados ruins?


Tanto na imprensa, quanto nas redes sociais, o tema dividiu opiniões. Uns defendiam que era o início da revolução, alguém precisava “colocar o dedo na ferida” para que as coisas mudassem no norte de Londres, afinal são muitos anos sem vencer. Outros atacavam o agora ex-técnico, dizendo que era a forma dele se desvincular de um trabalho que não deu certo, retirando totalmente a sua responsabilidade e para que não manchasse seu próprio currículo. 


As primeira situação a ser analisada e considero uma grande injustiça inserida em atitudes como esta é a generalização. Ele disse que “os jogadores” (no geral) não formam um time e não tem mentalidade vencedora, sendo que no elenco do Tottenham está o maior artilheiro da história do time e da seleção inglesa, Harry Kane, jogando todo jogo em alto nível, colecionando, ainda os números de formação da segunda maior dupla gols/assistências da história do campeonato inglês com o coreano Son Heung-min. Será mesmo que estes atletas também estão inclusos nos que supostamente não tem mentalidade vencedora ou visão de time? 


No mundo corporativo serve a mesma regra, generalizar significa que alguém sairá ferido, se sentindo injustiçado, pro bem e pro mal, quando um líder resolve, na chegada ou na saída, dizer que “tudo está errado”, ele atira pra todos os lados e pode perder uma grande chance de reconhecer e trazer seus liderados para jogar junto. Por isso, é tão importante tomar decisões baseadas em dados e fatos e, principalmente, ouvir, debater, além de nomear os responsáveis e trazê-los para ação. 


Outro ponto importante, sob o comando de Conte, nenhum jogador mostrou notável evolução em seus números e performance individuais, o time não mostrou evolução coletiva ou tática – seria isso a “mentalidade coletiva” de derrotados ou o próprio técnico não foi capaz de conseguir ser bem-sucedido na missão de tirar o melhor de cada um e de todos em conjunto? Na liderança, é possível identificar as limitações técnicas de um time e treiná-los, orientá-los ou, até mesmo, substitui-los, mas não seria responsabilidade do próprio líder propiciar o ambiente adequado para a formação de uma “mentalidade coletiva e vencedora”? Se o time não tem essa mentalidade então o trabalho dele só funciona com time que tem? É requisito prévio, binário e o trabalho dele não tem nada com isso? 


Essa é a conhecida fórmula de trabalho do Conte: treinos físicos extenuantes, inclusive no próprio dia do jogo, pouco relacionamento/proximidade com os atletas, ao estilo “Aqui mando eu e não devo explicações a ninguém...” (o que rendeu uma reclamação pública do jogador brasileiro Richarlison, justamente por ter sido tirado do time sem explicações), e a utilização de jogadores consagrados, uma fórmula que parece ter prazo de validade (não durou mais de dois anos nos últimos 3 times que dirigiu) e, a ver pelos resultados no Tottenham, parece longe de ser infalível ou adaptável, pois ele trouxe jogadores consagrados, ampliou sobremaneira o calendário de treinos e, ainda assim, os resultados não vieram.





Será, então, que contratar Conte era o que o Tottenham precisava para aquele momento? Ou o fato dele ter um currículo de campeão era a escolha mais simples (talvez óbvia) para um grande time? Já parou pra pensar que, mesmo após esse episódio, o próximo emprego dele será em outro grande time? Já parou pra pensar que nesse mundo de treinadores de futebol (inclusive no Brasil) é o mesmo grupo de técnicos que fica trocando de time? Já parou pra pensar se no mundo corporativo é muito diferente? 


Ao trazer Conte para dirigir o time, o dono assumiu uma responsabilidade perante seus atletas, uma escolha deliberada pelo caminho fácil, grande time contrata técnico consagrado (o mesmo Tottenham já tinha feito o mesmo ao trazer o técnico português José Mourinho, que saiu, também, de forma turbulenta). Não importa o que o time parecia precisar, ele decidiu trazer aquele tipo de líder que chega “pesando” o ambiente, exigindo tudo e mais um pouco na parte física, querendo mudar tudo, querendo mostrar que estava tudo errado com os trabalhos anteriores, com currículo que pode até ser considerado vencedor, mas que por onde passou deixou um certo “rastro de destruição”...saídas envoltas de polêmica em algum nível, reclamação de jogadores, desentendimento com donos e diretores, etc... – o último time que treinou na Itália sua saída se deu porque não aceitou a determinação de redução de orçamento, ou seja, ele não se sentia capaz de criar um time em que precisasse apostar em talentos mais jovens (e baratos), a fórmula de trabalho depende do orçamento, como falamos acima, ele foi honesto e deve-se respeitar, assim como identificar o quanto o profissional é fiel à sua fórmula.

 

Ainda assim, o Tottenham priorizou-se a contratação deste técnico, pois, é verdade, dinheiro não era problema, mas, a meu ver, o restante da fórmula que ele trazia não era compatível com o que time precisava naquele momento para evoluir individual e coletivamente após um trabalho malsucedido do antecessor, que durou apenas 4 meses no cargo...me parece que era preciso um perfil de reconstrução, que teria tempo, paciência, investimento na base, na identificação tática...para o dono foi a escolha mais fácil, a conta chegou e no prazo médio esperado do tempo que aquele técnico dura em cada time (viva as estatísticas!). Quem selecionou Conte para liderar o Tottenham é o responsável por tamanha queda de performance, por exemplo, do Richarlison (já mencionado), a ponto do atleta vir à público desabafar sobre o treinador, lamentando a temporada que estava vivendo. Em seu time anterior, ele teve aproveitamento de gols por partidas de 35%, no Tottenham apenas 8%, jogador jovem e em fase de ascensão na carreira apresentando queda de rendimento no time, um contrassenso. 


A escolha criteriosa com base na necessidade do time é um fator diferencial de sucesso, cito o exemplo de Eddie Howe (preciso escrever um texto sobre esse cara!), atual técnico do Newcastle United, terceiro colocado do campeonato inglês superando todas as expectativas. Jovem e talentoso, Howe vinha de excelentes trabalhos em times menores quando recebeu uma chance na primeira divisão inglesa e, pra mim, é o melhor técnico do campeonato. Recuperou todos os jogadores que passavam por fases ruins (era o que o time precisava), inclusive o brasileiro Joelington que, inexplicavelmente, não vem sendo convocado para a seleção e passa por grande fase, após quase ter sido mandado embora do time na temporada pré-Howe, mapeou reforços por posições mais carentes e, como se diz no jargão do futebol, tem um time “encaixado”. Era fácil pro Newcastle contratar alguém como Conte, consagrado, currículo falava por si…mas era o que o time precisava? A escolha pelo treinador correto pode levar o Newcastle de volta à Liga dos Campeões da Europa após 21 anos, é inacreditável. 




Nas empresas, já vimos esse filme inúmeras vezes, um executivo tem um currículo notável, é a estrela do processo seletivo, mas poucas vezes nos preocupamos em saber os seus métodos, que tipo de legado ele deixou, como impactou as pessoas (visão 360º), se, efetivamente, é o perfil certo para liderar aquele time naquele momento – assim como os treinadores, a opção na maioria das vezes é pelo caminho mais óbvio, são as mesmas cadeiras para as mesmas pessoas, sem generalizar, claro, não quero cometer o mesmo erro apontado aqui nesse texto. 


Ao fim e ao cabo, tanto no futebol, quanto no mundo corporativo, a impressão que fica é que “chutar o balde” no caso Conte era questão de tempo, pois era a pessoa errada (que parecia certa na visão de quem avaliou o currículo) no lugar errado. A atitude dele pode até iniciar um processo de reflexão entre atletas, dirigentes e torcedores, mas no fim tudo estava direcionado à defesa do próprio ego. A revolução no time vai depender, de fato, de quem for a escolha para substitui-lo, será dentro da lista óbvia (e fácil) ou algo cuidadoso com base no que os atletas precisam?


Vejo que a revolução na liderança não se começa atacando os liderados, mas, sim, revisando os próprios métodos a cada situação, acreditando nas pessoas, ajudando a desenvolver seus potenciais, unindo o time e se, ao final, mesmo assim a coisa não vingar, ter a humildade de sair com a consciência que fez o melhor que pôde, enquanto pôde. 

A fonte de bons exemplos no esporte e na liderança é outro técnico italiano, Carlo Ancelotti (pra mim, o maior de todos os tempos, mas sem polêmicas…), lembrei dele nessa ocasião que menciono, nas palavras do Ancelotti, ao se referir ao que chama de “Arco da Liderança”: “O fim de um arco pode ser propiciado pelo líder, assim como pela empresa, e é importante ser equilibrado ao ponderar sobre um arco que chega ao seu final. Algumas vezes você sai sob suas condições; outras, não. O futebol é assim; do mesmo modo são as empresas.”


Conte atingiu o fim do seu arco frustrado, não foi equilibrado e, certamente, forçou uma condição de saída e seus termos, todos perderam, mas ficam as seguintes reflexões: 


1) a responsabilidade de quem escolhe o líder pra um time é enorme e deveria ser cada vez mais cuidadosa, todos pagam por uma escolha errada, inclusive o escolhido; e 


2) “chutar o balde” é se isentar da responsabilidade, um verdadeiro líder deve entender o momento do seu próprio arco de liderança e decidir se ele se mantém em evolução, altera ou já chegou ao fim, de maneira equilibrada, assumindo a sua responsabilidade no processo e visando o melhor para o Time, sempre.



Espero que tenham gostado da reflexão, até a próxima !! 


 
 
 

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